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Teatro Online (na rede, wifi, digital, wireless, virtual) é Teatro?

30 de abril de 2020
Teatro Online (na rede, wifi, digital, wireless, virtual) é Teatro?

Cena do espetáculo "O gato preto", da Cia. Teatral Oops!..

Por João Bosco Amaral*

O momento da quarentena fez explodir o numero de atividades online (stories, lives) artísticas, uma vez que, devido à pandemia do COVID-19, as atividades artísticas presenciais (fisicamente) foram suspensas. E, junto com esse boom de apresentações online, vieram também os questionamentos sobre a “validade” desse tipo de atividade, principalmente relacionado às apresentações de Artes Cênicas. No Teatro, campo da minha atividade, o principal questionamento é se isso é de fato “Teatro”.

O termo Teatro, que tem origem grega, tem diferentes pontos de vista sobre o significado e sua tradução. Para muitos historiadores, a palavra está relacionada ao local das encenações, com o significado “Lugar de onde se vê”, sendo, segundo a poética de Aristóteles, o “Drama” (ação) aquilo que designaria a Poiesis (a palavra “arte” tem origem latina – Ars– e o termo só surgiu séculos depois). A encenação, por assim dizer, só veio a se confundir com a própria espacialização séculos depois, inclusive com advento de diferentes tecnologias, culturas e costumes de cada geração. Assim, temos hoje dois significados diferentes, que muitas vezes se confudem: Teatro, o edifício arquitetônico e Teatro, a arte da encenação, dramatização. São duas coisas distintas, mas que muitos confundem como uma única coisa. Não são a mesma coisa. O Teatro, edifício arquitetônico, recebem diferentes manifestações artísticas e inúmeras outras atividades desvinculadas da Arte. O Teatro, arte da encenação, pode manifestar-se em qualquer espaço, sendo necessária apenas a interação público-ator.

imagem com fundo azul escuro, à frete o ator João Bosco da Cia Oops!... está vetido com um terno preto e blusa formal branca, em uma peformance

João Bosco em apresentação do espetáculo Adan Experience – Espanha, 2018 (Foto: Maria Torres)

A evolução do Teatro (encenação), esteve sempre em consonância com as profundas transformações da humanidade ao largo de sua história, agregando aos seus conteúdos e estéticas, as tecnologias e urgências de cada tempo. Por exemplo, mulheres passaram a participar (assistir, atuar, escrever e dirigir), assim como foram adquirindo direitos sociais. E isso levou séculos até começar a acontecer, e mais tempo ainda até ser totalmente aceito (mas não livre de preconceitos). O mesmo vale para todas as transformações.

A contemporaneidade, iniciada pelas transformações de pensamento das vanguardas do século XX, trouxe ainda mais “inovações” no modo de pensar e produzir Teatro, trazendo mudanças radicais na arquitetura cênica, na participação e interação do público e na hibridização de linguagens e estilos, rompendo diversas fronteiras entre as linguagens artísticas e até mesmo entre a ficção e realidade. Tais limites rompidos deixam, muitas vezes, ser impossível até mesmo incluir certas obras em determinados conceitos “rígidos”. E pensando nisso, Patrice Pavis, em seu Dicionário de Teatro, não tentou, por exemplo, colocar uma definição do que é Teatro, e sim buscou definir os diferentes tipos de Teatro (Teatro da Crueldade, Teatro de Câmara, Teatro Alternativo, etc), uma vez que estas definições se expandiram de sobremaneira a ponto de, ao tentar fechar numa ideia única o que é Teatro, corre-se o risco de excluir quase tudo de evolução e progresso que foi alcançado ao longo dos séculos.

Assim, a Arte e o Teatro, estão (e precisam) estar “conectados” à realidade e aos costumes de cada geração, incluindo aí as inovações tecnológicas e descobertas científicas. Ou deveríamos realizar as encenações apenas com a luz natural, como na Grécia? Ou a Luz de velas, como na Idade média? Deveria o Teatro ainda ser machista, impedindo a participação feminina? O progresso é benéfico, e como bem pontua Patrice Pavis ao eleger definições de “vários Teatros”, o progresso e o surgimento de diferentes estéticas e meios para a encenação, não excluem as outras maneiras de se fazer Teatro. E isso é excelente para os artistas terem ainda mais potencialidades criativas e principalmente para os espectadores, que podem ter inúmeras possibilidades de escolhas sobre o que assistir e consumir, e onde fazê-lo, se no Parque, no Teatro (edifício arquitetônico), Shopping, Casa ou em qualquer um desses lugares por meio de uma tela (de smartphone, computador, TV, etc). Sim, o Teatro, assim como outras formas artísticas, encontrou mais um meio (plataforma, palco) para acontecer, se manifestar. Através das telas. Tal fenômeno não é novo, e já acontece há quase um século, desde o surgimento da TV, que usou durante muito tempo, apresentações teatrais transmitidas ao vivo (ou mesmo gravadas com a presença do público), até serem substituídas pela própria linguagem do audiovisual. Há ainda programas que buscam manter um formato semelhante, em que as fronteiras estão completamente rompidas e temos uma mescla de linguagens.

Aos que defendem que o Teatro (a arte da encenação) só é aquilo que acontece ao vivo, isto é feito digitalmente e online (e com a chegada do 5G será sem nenhum segundo de atraso). Conta com a presença do espectador, que, mesmo não estando a apenas alguns metros de distância, está ali presente, e, na maioria dos casos, participando e interagindo diretamente com as apresentações. A efemeridade, já deixou de acontecer a partir do momento da possibilidade de registro das encenações, mas ainda assim pode ser evocada no “Teatro Online”, uma vez que a escolha de deixar gravado ainda é do artista, que pode escolher por fazer apenas do momento da encenação a sua obra teatral. Tudo isso já aconteceu com a música, artes visuais, por exemplo, estas linguagens souberam, com o passar dos anos, apropriar-se das ferramentas disponíveis para democratização e expansão de suas obras.

Uma forma não exclui ou substitui a outra. Somam, multiplicam as possibilidades criativas e de interação com o outro principal pilar da arte cênica: o espectador. Estamos passando por um momento de transição, de transformações de comportamentos e costumes, e o Teatro não imune a isso. Pelo contrário, já sofreu, a nível internacional, a necessidade de buscar novas maneiras de continuar acontecendo mesmo diante da impossibilidade das pessoas saírem de suas casas, dos atores e artistas estar num mesmo espaço. Muitas transformações ainda virão, e é difícil, sendo ator da história presente querer contar o passado num futuro que não existe. Não sabemos se a história marcará essa nova maneira de produção cênica como Teatro. Mas enquanto estou aqui, como criador em processo, como artista em cena, e interação com o espectador que acompanha uma apresentação nos palcos do Instagram, Youtube ou Facebook, continuo fazendo Teatro, não o prédio, mas aquela arte milenar que em todas as gerações sobreviveu á guerras e pandemias, saindo sempre renovada e mais enriquecida do que antes. E claro, que as palmas e o contato físico, ainda são a melhor parte de ser humano.

 

*João Bosco Amaral é ator, diretor e pesquisador Teatral com Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Goipas. Iniciou sua carreira artística em 1998, e desde então participa de variados espetáculos de diferentes grupos teatrais, tanto como ator, quanto como diretor. Em 2000 fundou a Cia. Teatral Oops!.., com a qual participa de Festivais de Teatro por todo o país e também no exterior.

Acompanhe a Cia. Teatral Oops!.. pelo site, Facebook e Instagram.

 

 

 

Kalyne Menezes

Sou fundadora, diretora e coordenadora geral do Antes do Ponto Final. Jornalista, escritora e pesquisadora. Gosto de escrever, falo no podcast e apareço no vídeo para contar histórias de pessoas e lugares, de diferentes maneiras. Também gosto de ir atrás das relações entre Comunicação, Informação, Cultura, Cidadania e pessoas com foco no que é social e coletivo.

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