“Olhai o que mais vos convém.
Em tudo, o todo que sois feito
Se mantém. Pórticos, escadas
Aves sob um tento de chumbo,
O que estiver à tona, o mais fundo,
Ventre, ombro”.
(Hilda Hilst)
“[…] inserir Goiânia de novo no circuito das artes plásticas. As galerias que sobraram na cidade tem caráter mais comercial”, foi tudo que restou na lembrança de um texto lido dias atrás. A cada vez que retomo tal declaração ela se torna ainda mais incômoda e desastrosa, uma infeliz escolha de palavras, para dizer o mínimo, que soa como vira-latismo e escancara como parte da elite desconhece a cidade em que vive. Não sobraram galerias em Goiânia. Há galerias em Goiânia e atribuir-lhes caráter “comercial”, como demérito é tão leviano. Mas não irei me alongar sobre sofrível opinião.
A chegada do novo não irá apagar a história que foi construída até aqui. Uma história com seus altos e baixos, por óbvio, mas com contribuição inestimável para o cenário das artes nacionais e internacionais.
Nada disso seria possível sem a contribuição valorosa de quem ao longo de décadas tem se dedicado à pesquisa, curadoria e fomento artístico na cidade. Em cada nova exposição – e no momento em que escrevo esse texto pode-se contar facilmente cinco em andamento -, estão as digitais indeléveis dessas pessoas. Os artistas goianienses continuam a despertar curiosidade e serem descobertos por novas gerações, e as galerias possuem papel central nesse processo.
Ateliês de artistas consagrados, e também dos mais jovens, em pleno funcionamento e abertos à visitação. O que lá se produz compõe importantes coleções e acervos no Brasil e no exterior. Instituições renomadas, em mostras coletivas ou individuais, consagram os artistas da cidade. Dicionários de arte possuem verbetes de goianienses. Há artistas de fora fazendo residência aqui.
As salas públicas não deixam a desejar e constantemente trazem novidades aos frequentadores. A agenda de feiras e mostras é constante e atrai os mais variados perfis de visitantes. Isso sem falar que a cidade é sede da maior feira de arte do Centro-Oeste. Então fica a pergunta: isso não é fomentar arte?
Não estamos mais no tempo das grandes mecenas de outrora, mas uma nova leva de colecionadores surge e mantém a tradição de incentivar e buscar nos artistas da cidade o ponto de partida para seus acervos
Goiânia não será reinserida no circuito, porque ela nunca saiu dele. O olhar colonizado sobre a cidade impede que ela seja vista em toda a sua complexidade. E por mais que muito ainda possa e deva ser feito, essa visão neobandeirista – anacrônica e com aroma de naftalina – não contribui em nada para avanços, ao contrário.
Quem de fato quer o crescimento das artes na cidade sai dos muros dos condomínios fechados e circula por ela, respira sua rua e descobre-a todo dia. Não é possível tecer críticas de um cenário com filtros usados além das suas fronteiras. Não se pode construir uma casa forte sem que o terreno seja conhecido.
Talvez não seja sobre a falta de uma cena, mas a ausência deliberada de quem não acompanha Goiânia, e continua a buscar fora o que não encontra aqui por desconhecimento de sua própria cidade.