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O preço da canção

25 de setembro de 2023
O preço da canção

Dizem que cigarras são presságios de chuvas e um bom sinal de que coisas boas estão por vir. Não sei, mas tento acreditar. Até que elas cantam bonito, cantam alto e me fazem lembrar aquela história da cigarra e da formiga – que acho uma história grande injustiça com as cigarras, porque cantar requer esforço. Mas, poxa, as cigarras tinham que ser tão aterrorizantes?

Eu, que quase não gosto de bicho nenhum, detesto mais ainda as cigarras. Esses dias tinham três do lado de fora da minha sacada (sim, porque eu fecho as janelas às 18 horas para evitar visitas inoportunas e desagradáveis dos insetos da primavera), parecia que eu ouvia um trio em apresentação de domingo. Uma era soprano e fazia-se ouvir mais alto que as outras, que eram mezzosoprano, seguravam o tom uniformemente.

Se uma cigarra entrar pela minha sacada tenho uma síncope. No início da primavera arrisquei a janela aberta por alguns instantes. Resultado: um projeto de gafanhoto pulando na minha cozinha, um besouro gordinho me assustando, um rodo quebrado, uma quase intoxicação por veneno spray, vasilhas no chão da minha cozinha para eu pegar, lavar e guardar, adrenalina alta e controle emocional próximo de zero.

Esses dias de calor e tédio pensei em ir no parque. Lembrei-me das cigarras e senti que elas poderiam pular na minha nuca e me convenci que o calor era forte demais para sair de casa. A imagem das “cigarras e banda” foi mais forte que a momentânea vontade de ir ao parque.

Que os biólogos e defensores da natureza não me levem a mal, mas não dá para achar certos insetos bonitos. Não desejo o mal a eles, apenas que passem longe de mim. Mas como são irracionais não posso expressar isso diretamente e de modo convincente, resta-me prevenir visitas inoportunas no meu espaço privado.

A primavera que me perdoe, porque amo as flores mas odeio os insetos. Entendo que a vida tenha suas formas de equilíbrio e os insetos contribuem para isso. O preço da beleza e da cantoria é alto: requer convivência diária com pequenos animais assustadores, de diversos tipos e trejeitos. Mas convenço-me de que sempre poderia ser pior. As cigarras poderiam ser gigantes, já pensou? Benditas cigarras!

Kalyne Menezes

Sou fundadora, diretora e coordenadora geral do Antes do Ponto Final. Jornalista, escritora e pesquisadora. Gosto de escrever, falo no podcast e apareço no vídeo para contar histórias de pessoas e lugares, de diferentes maneiras. Também gosto de ir atrás das relações entre Comunicação, Informação, Cultura, Cidadania e pessoas com foco no que é social e coletivo.

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