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O jardim nada secreto

9 de maio de 2020
O jardim nada secreto

Eu tenho um jardim nada secreto, cheio de amor, plantas que alegram, embelezam e curam, algumas com cheiros suaves, outras mais fortes. A terra é sempre fértil, mas diferente da maioria dos jardins não sou eu que planto e cultivo nele; é ele que sempre planta sementes em mim e me dá seus melhores frutos. Esse jardim é minha mãe, e a planta que mais me lembra ela é a violeta, símbolo de fertilidade e amor, apesar da música “amor perfeito” nunca sair da minha cabeça no Dia das Mães.

Minhas memórias começam a partir dos meus quatro anos, e eu me lembro que a minha mãe sempre teve um coração enorme, apesar de uma paciência um pouco “curta”. Sempre tinha gente na minha casa, primos, amigos da igreja, minhas colegas da escola que ela deixava brincarem comigo após a tarefa da escola. Nesse coração dela sempre cabia um carinho para as pessoas que eu gostava, ela cuidava delas como se fossem suas filhas também. As melhores amigas tinham o bônus de voltarem para suas casas de banho tomado, joelhos e pés bem limpos. Às vezes fico imaginando o quanto a gente devia se sujar no quintal.

Além disso, ela sempre me colocava para dormir com um leite achocolatado e quente na cama. Nos dias que eu ficava chateada com alguma coisa, mamãe sempre deu um jeito de me distrair para meu ânimo melhorar e a chateação passar. E sempre passou, eu acho que nem demorava muito. Assim como as folhas das violetas, minha mãe sempre teve muitos corações. Eu diria que um para cada filho, um pro meu pai, um pra ela mesma. E em cada coração desses seu amor conseguia ser infinito e nunca acabar. Eu poderia escrever um livro só com histórias da minha infância (quem sabe um dia!).

Na minha adolescência, nossas diferenças se manifestavam mais à flor da pele. Acho que pela própria fase, que é um período em que estamos mudando alguns jeitos e modos de pensar, e nisso temos embates naturais de gerações. Apesar dos nossos atritos, com a maturidade eu compreendi as atitudes dela para me proteger sempre. Eu entendi que algumas atitudes e reações eram fruto de medos que as mães têm, principalmente quando elas já perderam um de seus filhos, e que as mães, acima de tudo, são humanas, embora devessem ser facilmente imortais ou seres superiores ao resto da humanidade.

Sofri nessa fase, por diversos acontecimentos, mas também fui muitíssimo feliz. Tenho saudades e nostalgia da minha adolescência, com minha mãe lembro muito das nossas tardes de domingo tomando sol e banho de rio. Singela como a violeta, mainha sempre se expressou diretamente, simples, de forma transparente. É fácil saber a fruta ou a bebida preferida dela, o que ela gosta ou não de fazer. Eu não preciso perguntar, já sei a resposta. Acho que essa é uma das melhores coisas em uma relação de intimidade, confiança e amor. E durante minha juventude fui observando, vivendo e sentindo isso mais de perto. Minha mãe é modesta, embora às vezes não pareça logo de cara.

E com o passar dos anos e início da minha maturidade, dentre todas as suas características que não cabem nesse texto, minha mãe é leal. Por fim, a violeta também representa a lealdade e por isso lembro de mainha quando as vejo. Cida, minha mãe, é leal a si mesma, a seu modo. Seus princípios, embora sejam por vezes um pouco duros, são levados à risca, coerentemente. E isso é, para mim, admirável em uma sociedade que tem se tornado tão fluida a ponto de perder-se constantemente. Essa lealdade dela, a si mesma e à família, me dá a segurança de que independente da direção dos ventos sempre há um porto seguro. Que o barco pode bater um iceberg e furar, mas que ela vai me puxar pelo braço para consertar os danos e continuar a viagem, mesmo que seja nadando em alto mar. A lealdade, seus princípios, sempre a deixam no leme, mirando o alto, preparando o salto, para o que virá adiante. “Eu sou como um peixe no rio”, e assim aprendemos a nadar como ela.

Te amo, mãe. Feliz seu dia todos os dias.

Kalyne Menezes

Sou fundadora, diretora e coordenadora geral do Antes do Ponto Final. Jornalista, escritora e pesquisadora. Gosto de escrever, falo no podcast e apareço no vídeo para contar histórias de pessoas e lugares, de diferentes maneiras. Também gosto de ir atrás das relações entre Comunicação, Informação, Cultura, Cidadania e pessoas com foco no que é social e coletivo.

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