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Lavou, tá novo

Meio-dia, cabeça raspada sob o sol escaldante, logo se vê um sorriso largo e branco: “Bora passar uma água no carro hoje? Tá na promoção!”

17 de maio de 2020
Lavou, tá novo

Reprodução.

Meio-dia, cabeça raspada sob o sol escaldante, logo se vê um sorriso largo e branco: “Bora passar uma água no carro hoje? Tá na promoção!”. A mangueira que lava os carros vem de dentro de uma casa antiga, possivelmente imóvel comercial. Negro, baixo, definidos, bom-humor sempre. Esse é o Paulo, que sai do setor Novo Mundo todos os dias para lavar carros no centro da cidade, há muitos anos.

Quando eu tinha carro às vezes pedia para ele lavar o meu enquanto visitava uma amiga que mora na mesma rua em que ele trabalha. Tem dois tipos de lavagem, a mais simples, “só por fora”, e a completa, que lava tapete e tudo. Na simples ele consegue ver por onde a gente andou, se é asfalto ou estrada de chão, se estacionamos debaixo de uma árvore em que um passarinho cagou ou se colocamos sempre no sol, “gastando” a pintura do carro. Na lavagem completa ele têm informações mais precisas, já que os tapetes carregam marcas de onde passamos. Dá pra saber bastante da personalidade do dono do veículo também, no meu carro volta e meia eu jogava um pedaço de maçã no chão para odorizar o veículo, eu tenho um amigo que “coleciona” garrafas vazias de água (esses dias contei mais de dez). Paulo sabe disso com discrição, e usa para fazer melhor seu trabalho que é deixar o carro impecável. Tenho certeza de que jamais usaria essas informações pessoais de má fé.

Não sei quando nem porque Paulo começou a lavar carros, mas pelo que vejo ele é feliz no trabalho, e isso não é para todos. Ele pega pesado, pois não é tarefa fácil ser lavador de carros – eu que o diga pelas experiências que tive lavando o carro dos meus pais, especialmente na adolescência.  Ele sempre arruma uma maneira de aperfeiçoar o trabalho dele, seja economizando água, testando produtos mais eficientes e baratos ou estudando maneiras de lavar melhor gastando menos tempo. Para fazer qualquer atividade profissional, independente de qual seja, é preciso trabalhar a razão e a emoção: a cabeça sempre em atividade, focado em um (uns!) objetivo(s) maior(es), e o coração dando aquela leveza especial no trabalho que permite que outras pessoas possam enfrentar o cotidiano com menos preocupação e mais felicidade. Lavou, tá novo! “Já tá pronto, Paulo?

 

 

 

Para ler mais textos de Esquinas baixe meu e-book aqui. Ele é uma compilação de crônicas do site entre 2010 e 2019.

Kalyne Menezes

Sou fundadora, diretora e coordenadora geral do Antes do Ponto Final. Jornalista, escritora e pesquisadora. Gosto de escrever, falo no podcast e apareço no vídeo para contar histórias de pessoas e lugares, de diferentes maneiras. Também gosto de ir atrás das relações entre Comunicação, Informação, Cultura, Cidadania e pessoas com foco no que é social e coletivo.

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