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A dádiva do envelhecer

Se observar envelhecer é de fato triste, solitário, amedrontador. Mas também depende do ponto de vista, de pra onde se olha, do que se observa e do que se permite ver

30 de novembro de 2020
A dádiva do envelhecer

Tenho medo de envelhecer, de ver meu corpo não respondendo aos meus comandos, ver minha vitalidade se perdendo, minha beleza se esvaindo, as rugas em meu rosto movendo contornos que anteriormente não eram meus. Morro de medo de observar a perda das minhas capacidades cognitivas, de perceber minha rapidez de raciocínio, de movimento, de reação não mais existindo diante de meus comandos.

Já consigo ver no espelho, no auge dos meus vinte e poucos anos, detalhes que o tempo me trouxe. Se observar envelhecer é de fato triste, solitário, amedrontador. Mas também depende do ponto de vista, de pra onde se olha, do que se observa e do que se permite ver.

Dias atrás me peguei observando atentamente uma senhorinha que passava por mim, seus traços leves, o corpo frágil todo marcado por rugas e dobrinhas que certamente não nasceram com ela, foram adquiridas, o tempo trouxe, juntamente com todas as experiências, histórias, conquistas, amores, vivências. Quantas coisas aquele corpo já não viveu ?! Quantas coisas aqueles olhos já não viram ao longo das décadas que passaram?! Quantos corpos já não tocaram e amaram aquele corpo que agora eu vi somente como algo que caminhava para o fim?!

Entendi naquele momento observando a senhorinha que cada marca do meu corpo, cada mancha, cada ruga, cada traço, cada cicatriz conta uma história. A história da minha vida. A história de alguém que já amou, já foi amada, já sorriu até chorar, já chorou até dormir, já acordou em dezenas de lugares diferentes, já viu centenas de cenários, de paisagens, de momentos, de pessoas, em incontáveis situações, paixões, afetos e desafetos.

Envelhecer não é contar quanto tempo já se foi, quanto tempo nos resta, quanto tempo foi “perdido”. É muito mais do que isso, é observar quanto tempo já foi vivido, e o que foi vivido é sempre um ganho, porque é algo que carregamos com a gente, mesmo que o corpo já não habite mais esse plano, mesmo que a alma já não habite mais esse corpo. No final das contas o corpo é só um lindo traje que vestimos e que nos permite observar e presenciar a intensidade e a beleza das coisas que já existiram em nós. Envelhecer é dádiva, quanto mais marcas no meu corpo, mais histórias eu terei para contar.

Luana Cardoso

Sou Bióloga, estudante de Jornalismo e apaixonada pela escrita desde sempre. Quero poder contar histórias e tocar corações. No projeto Antes do Ponto Final publicarei mensalmente os sentimentos que traduzo em palavras sob forma de textos, dividindo meu olhar singular sobre o mundo com outras pessoas.

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