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Por aí. /Ponto de Vista.

Ser livre é não esquecer

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa é comemorado neste domingo (03/05) e iremos sortear o livro "Insurgência", do Bruno Destéfano, que compartilhou um pouco de suas impressões sobre o assunto

3 de maio de 2020
Ser livre é não esquecer

Manifestações em Brasília, 2016 (Bruno Destéfano)

Por Bruno Destéfano
A nossa mente é um bichinho complicado, não é? Absorvemos memórias intragáveis e, pela nossa imediata incapacidade em lidar com as consequências, acabamos “esquecendo” para relembrar quando for o melhor momento; quando estivermos genuinamente prontos.

No entanto, uma coisa é certa: quando o pensamento traumático submerge das profundezas do inconsciente, ele traz consigo uma tonelada de outras histórias e medos e constatações.

A liberdade reside nisso, sabe? Nessa vontade e necessidade de reavivar aquilo que precisa ser verbalizado. E, olha só, estamos comemorando a liberdade de imprensa neste dia 03 de maio. É impossível não associar essa data ao que ela representou para mim nas manifestações do dia 13 de dezembro de 2016. 

Na época, várias pessoas se reuniram em Brasília para condenar a antiga PEC sobre o teto dos gastos públicos. Professores, estudantes, servidores públicos e trabalhadores no geral presenciaram a segunda votação da proposta. E o resultado nós já sabemos de cor e salteado: a emenda constitucional, mesmo com o repúdio da classe trabalhadora, tornou-se realidade.

Mas deixa eu te contar uma história.

Nesse dia, no dia 13 de dezembro de 2016, eu realmente entendi a importância da liberdade de imprensa. O protesto ainda não havia começado e já dava para notar o clima de embate. Minhas pernas cambaleavam de medo, mas alguma força as motivou a seguir as outras pessoas que também não conseguiram chegar no “ponto de encontro”; no ponto onde a manifestação teria o seu início.

A estratégia da polícia era simples: inibir a aglomeração antes mesmo de todo mundo se reunir perto do Palácio do Planalto. Nós tentamos dar várias voltas com o objetivo de encontrar algum atalho, mas os policiais estavam “fechando” os arredores com os seus próprios corpos amontoados.

Seria bem mais fácil reprimir o nosso grupo disperso e desorganizado. Sem outra possibilidade, atravessamos a avenida e nos deparamos com um declive terroso. Aquela montanhazinha era a única coisa que nos separava da concentração de pessoas. 

“Vamos, gente. Sobe. Não vai ter jeito. Rápido. Corre. Eles já estão vindo na nossa direção”, disse uma pessoa de nosso pequeno grupo.

Alguém ao meu lado gritou: “é alto demais e meu tênis escorrega muito. E se a gente cair? É muito alto. É muito alto”.

“Não pense demais. Vai no primeiro impulso”.

E eu segui o conselho, mesmo não sendo diretamente feito para mim. No fim das contas, apesar de não conhecer praticamente ninguém do grupo, acabamos nos tornando companheiros de “sobrevivência”. 

Foi nesse momento, inclusive, que percebi como era necessário eu chegar com eles e por eles. Eu estava lá para registrar a manifestação com a minha câmera fotográfica. Não sabia o que fazer com as fotos, porque não ia publicar notícia ou nada do tipo. Só que eu sabia (e ainda sei) como os registros são importantes para que ninguém tente apagar o que aconteceu. 

Sim, eu precisava estar lá. 

Deslizei um pouco e quase pendi para trás, mas empurrei o meu corpo para frente e me curvei como um animal que recém escapara do enclausuramento; preso por algemas invisíveis. Cravei as minhas unhas na terra e comecei a escalar o mais rápido que podia. 

“Vamos, vem! Você tá quase”, alguém do grupo me disse lá de cima.

Eu precisava estar lá. Precisava estar livre para fazer com que a história turbulenta não pudesse ser esquecida ou apagada. O instinto de fugir das correntes falou mais alto.

Respingado de suor e leite de magnésio, me coloquei de pé e o declive terroso ficou para trás. Os policiais viram o que tinha acontecido e desistiram de continuar perseguindo. Agora, encaravam a multidão de longe e conversavam freneticamente uns com os outros.

Esse foi o primeiro desafio daquele dia, mas jamais me esquecerei do que ele representou. A imprensa, independente ou não independente, precisa ter liberdade para fazer o seu papel social. É por meio dela que nos reconectamos enquanto grupo, enquanto cidadãos, e enquanto gente de carne e osso.

Na época, eu não sabia que todos esses registros resultariam no livro “insurgência”. Eu não tinha a intenção de escrever crônicas e nem de entrevistar pessoas que também passaram por algum tipo de repressão policial no mesmo período.

Mas aconteceu. Por necessidade, o livro teve que nascer. 

Imagina se tivessem pegado a minha câmera? Imagina se tivessem me privado de relatar o que aconteceu por meio da literatura e do jornalismo?

O dia mundial da liberdade de imprensa é bastante significativo, ainda mais se formos pensar no momento de hoje. Cada vez mais, o universo das fake news deslegitimam o trabalho de apuração dos jornalistas. Cada vez mais, escutamos absurdos de um governo que quer ditar suas próprias regras e ferir a liberdade do pensamento crítico – que é a base da transformação social. 

Desejo que a liberdade de imprensa não se torne uma simples história de ninar. Desejo que o jornalismo continue operando como uma contra-partida de um mesmo discurso. Desejo que a nossa história jamais seja esquecida.

Em homenagem à ideia da liberdade e do que o jornalismo realmente significa, o “Antes do Ponto Final” vai sortear um livro meu no seu perfil do Instagram. As crônicas remontam a minha trajetória e de mais quatro pessoas durante as manifestações de 2016 (Brasília) e de 2017 (Goiânia). Mesmo em contextos e dias diferentes, parece que todos os depoimentos possuem algo em comum e se encontram entre as crônicas. As pessoas entrevistadas se transformam em personagens de uma história maior e que atravessa toda a sociedade brasileira.

Quer participar do sorteio e garantir o seu exemplar? Você só precisará seguir o perfil @antesdopontofinal no Instagram, curtir a foto oficial do sorteio e marcar um amigo nos comentários! Além disso, caso queira tirar mais dúvidas sobre o conteúdo do livro e o meu processo criativo, basta comentar na foto oficial do sorteio ou mandar DM no perfil do @antesdopontofinal. Faço questão de te responder. O livro também está à venda no site da @editoraletramento 🙂

Obrigado por ter lido até aqui. Eu sei que são histórias doídas, mas são nossas e ninguém tem o direito de apagá-las.

 

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Kalyne Menezes

Sou fundadora, diretora e coordenadora geral do Antes do Ponto Final. Jornalista, escritora e pesquisadora. Gosto de escrever, falo no podcast e apareço no vídeo para contar histórias de pessoas e lugares, de diferentes maneiras. Também gosto de ir atrás das relações entre Comunicação, Informação, Cultura, Cidadania e pessoas com foco no que é social e coletivo.

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