Fecho a porta da cozinha para não ouvir o barulho do relógio de parede. Ele é antigo, daqueles bem simples, que raramente necessitam de pilhas novas. Daqueles que não se fabricam mais. Branco, um barulho absurdo.
Fecho a porta da cozinha sempre, seja de tarde ou de noite. Mesmo assim, às vezes, ouço o barulhinho do ponteiro dos segundos, parecendo um botão de bolsa que apertamos, um sapato de salto batendo no chão, um cronômetro. Só para me lembrar que, por mais que eu feche a porta, os segundos passam.
Minutos, horas, dias, meses. Mais um pouco e lá se vão os anos. Na cozinha, o relógio guia os cozimentos, regula horários, marca despedidas, desilusões, adeuses. Marca chegada, mesmo parado. Dois ponteiros, vários pontos em seu desenho. Nós ao contrário somos dois pontos: chegada e partida. Poucos pontos no desenho, muitos dispersos no tempo não se pode medir.
E, às vezes, inquieto, o tempo passa as paredes grossas, as portas de madeira firme e de lei, os espaços vazios para ecoar na noite. O tempo ecoa. Pelo relógio ele vaza, fino pela parede, e no meio do trajeto pega um impulso e voa. O tempo voa para mostrar que ele não detém certas atitudes, ele não muda os caminhos, ele não tira as responsabilidades dos outros que, em um certo tempo, contavam com você e com os ponteiros do relógio. Contavam nos seus relógios os minutos para contar com você. E aí, de repente, a pilha acabou.