Foto: Marta Dzedyshko/Pexels
Já faz um tempo que convivo com um silêncio que não é tão simples de descrever. Não que eu ache que o silêncio, em si, seja algo fácil. Mas o que eu sinto é algo que fica no limite entre o barulho de uma goteira pingando em um beco com eco, e um barulho ensurdecedor de uma festa eletrônica onde a única voz que pode-se ouvir é aquela que não emite som e está dentro da sua cabeça. Apesar de parecer complexa a descrição, a prática é muito simples. A gente se abstém, voluntária ou involuntariamente, de falar, escrever, publicar, manifestar nossos pensamentos… É como se houvesse uma lacuna, uma fenda no nosso próprio corpo, chamada silêncio, e que significa bem mais do que o sentido rotineiro que essa palavra carrega.
Acho que fiquei mais de um ano assim, motivada inicialmente por um cansaço natural durante a pandemia e de um período final de projetos variados que, evidentemente, exigiram uma dedicação maior, como a tese de doutorado e uma fase de mudanças aqui no Antes do Ponto Final. Mas, depois disso, o que se seguiu foi uma preguiça generalizada das discussões nas redes sociais com uma mistura de lutos e de reavivamentos (em vários sentidos e níveis). E o silêncio que antes havia começado naturalmente foi se fazendo uma opção voluntária, de avaliar muitas situações e de ouvir um barulho dentro de mim que só eu poderia dar voz, interpretar, experienciar.
Muitas vezes esses barulhos se misturavam ao som do comércio da minha rua, cujos vendedores disputam para ver quem falava mais alto. Nessas horas eu peguei o meu silêncio e o testei, para ouvir o que era dito aos gritos pelos outros, e para checar como eu lidava com aquele barulho imenso. Às quatro e meia da manhã, meu silêncio fazia coro com o barulho dos pássaros que acordavam do outro lado da rua, e eu me despertava como uma criança feliz ao ouvir aquele canto no meio do asfalto. Quando mergulhava no rio, meu silêncio me fazia perceber as ondas e os burburinhos embaixo da água, e a mim mesma naquelas ondas todas.
Eu poderia citar muitas situações – e metáforas – sobre os silêncios, os momentos em que ele esteve e continua presente, e minhas relações com ele. Mas, por ora, desejo encurtar caminho e expressar, por meio desse texto, não apenas meu retorno às palavras cotidianas, mas, sobretudo, à uma nova rota na minha história, abertas a outras visões de mundo que nos tornam pessoas melhores – individual e coletivamente. Agradeço ao silêncio, que teve muito espaço aqui dentro, nos pensamentos, gestos e palavras. E que se tornou ponte, degrau, tijolo, alicerce, liga, energia, elo, transporte, condutor, base para um futuro admirável que já bate à porta.